Eskrima
- Jorge Henrique André
- 13 de dez. de 2018
- 9 min de leitura
Atualizado: 4 de fev. de 2019
Breve histórico das Ilhas Filipinas e da Eskrima:
A República das Filipinas é um país do continente asiático, independente localizado a sudeste da Ásia, cuja capital é Manila. Sua área total é de cerca de 300.000 km², um pouco maior que o estado de São Paulo. A população do país é de cerca de 93,6 milhões, na maioria seguidores do cristianismo, do ramo católico, sendo que uma importante minoria segue o islamismo. Com uma grande população, as Filipinas estão no ranking dos 20 países mais populosos do mundo. As línguas oficiais são o filipino e o inglês, porém diversos dialetos como o Tagalog, Cebuano entre outros podem ser escutados nas suas ruas, resquícios da longa história das suas terras, a moeda corrente é o peso filipino. As Filipinas constituem um arquipélago de 7107 ilhas, localizadas entre Malásia, Indonésia, Taiwan e China.

Os primeiros habitantes das Filipinas, os chamados negritos, teriam se instalado há 30.000 anos, vindos de Bornéu e Sumatra. Séculos antes do nascimento de Cristo, as tribos existentes guerreavam entre si sem nenhum tipo de norma, sempre buscando a morte do inimigo. Como nesta região existem metais em profusão, praticamente todos andavam armados com lâminas. Os meninos, ao se tornarem homens, recebiam uma grande faca, geralmente uma kris (arma de lâmina ondulada), para proteger a família e a tribo.

Os malaios vieram em sucessivas ondas, da área de Taiwan. Os chineses chegam no século IX, e pouco depois, os comerciantes árabes, que introduzem o islã no sul.
Para o “mundo ocidental”, a história das filipinas começa no século XVI, quando o português Fernando de Magalhães, a serviço da coroa espanhola, realizou a sua viagem de circunavegação do mundo. Partindo no dia 20 de setembro de 1520, Magalhães chegou às Filipinas em março de 1520.
Antonio Pigafetta, geógrafo italiano que viajou na expedição de Magalhães, registrou todos os momentos da viagem em um diário, ao qual publicou com seu retorno a Europa. Após se encontrar com chefes e monarcas de reinos menores, Magalhães foi conduzido a corte do rei de Cebu. Diversos pactos foram feitos, principalmente após demonstrações do poderio bélico europeu, que culminaram com a conversão de toda a corte de Cebu e de reinos aliados ao cristianismo e a criação de votos de fidelidade com a Espanha.
Os reinos que existiam nas Filipinas, eram famosos no mundo antigo por suas relações com outros povos. Um dos reinos do norte, chamado Manila, havia desenvolvido um forte canal comercial com a China no século X.
Com o auxílio dos espanhóis, o rei de Cebu passou a investir contra os reinos que lhe faziam oposição, submetendo um a um ao seu domínio. Até que estes se puseram contra a ilha de Mactán. Dividida, a ilha era comanda por dois datus, um de nome Zula e outro chamado Lapu-Lapu.
Ciente do grande poder bélico que os estrangeiros tinham, Zula se dirigiu ao monarca de Cebu. Prometendo recursos e aliança, caso os Europeus lhe auxiliassem em uma batalha contra Lapu-Lapu, que publicamente havia registrado sua desconfiança para com os europeus e sua crença cristã. Neste ambiente inóspito, no qual os filipinos não tinham ainda senso de nação, os espanhóis foram conquistando aos poucos, pelo famoso método romano de "dividir e conquistar".
Assim, em 27 de abril de 1521, espanhóis, cebuanos e guerreiros de Zula, partiram para uma batalha breve porem sangrenta, contra os guerreiros de Mactan liderados por Lapu Lapu.

A morte de Magalhães durante a batalha e a derrota dos espanhóis, serviram para desmoronar a recém-criada, e ainda instável, aliança entre cebuanos e europeus. A expedição então retomou seu rumo, e durante duas décadas, aquele pedaço de mundo ficou longe das mãos da coroa espanhola.
Longe das mãos porém não significa que tivesse sido esquecida. Em 1543, Ruy Lopes de Villalobos visitou as ilhas. Era desejo do rei, melhor mapear aquele local, ao qual o Italiano havia descrito e que havia sido o porto final do grande Magalhaẽs. Foi nessa viagem, que o arquipélago recebeu o nome de Filipinas, em homenagem ao príncipe Felipe de Astúrias.
Porém, depois que as ilhas foram batizadas de Ilhas Filipinas, o senso de nacionalismo começou a crescer, e as técnicas mortais de combate com lâminas – contando com séculos de desenvolvimento – começaram a ser utilizadas pelos combatentes revolucionários.
Durante séculos, os filipinos foram proibidos de usar espadas e facões, e por isso treinavam com bastões de ratã (um material semelhante a um bambu), e faziam anotações das estratégias e táticas nas paredes, usando o alfabeto Alibata (alfabeto antigo na língua Tagalog).

Além disso, observando o treinamento dos espanhóis com armas, aprenderam suas técnicas, e somando-as aos movimentos nativos do kali, criaram um conjunto de técnicas, tácticas e estratégias ainda mais eficaz e letal para conflitos de vida ou morte. As técnicas originais do Kali, mano y daga, entre outras, foram somadas e adaptadas à estratégia espada e adaga dos espanhóis e as noções de ângulos de ataque.
Esta filosofia de aprender com os demais povos, mastigar, aperfeiçoar e fazer a técnica única é uma das características que torna a Eskrima uma arte flexível, perigosa e versátil, ao apresentar técnicas para todos tipos de situações, e simplicidade, ao depurar técnicas ineficientes e oferecer apenas o que é absolutamente essencial.
Para muitos, a Eskrima teria sofrido influência não só dos espanhóis, mas também dos aborígenes de Taiwan e de Bornéu, que mantinham contato com os indígenas filipinos - teoria essa que fica evidente a partir de lendas orais e das semelhanças entre os seus estilos de combate - e que também teria evoluido de artes marciais indianas, bem como de outras artes marciais tal como o malaio tjakalele e o silat, que foram levadas para as Filipinas por habitantes da Indonésia e da Malásia nas migrações separadas que fizeram para as Filipinas. Portanto existe a possibilidade de que os sistemas de luta filipinos tenham suas raízes históricas em artes marciais indonésias, que por sua vez foram influenciadas pelas artes chinesas, como é o caso do kun tao (literalmente "caminho do punho"), que tem suas raízes vinculadas ao ch'uan fa (palavra genérica para o que é conhecido no Ocidente como "kung fu"). Outros sistemas com movimentos similares aos das artes filipinas também têm suas raízes no ch'uan fa. Existe, inclusive, relatos de formas com dois bastões em ch'uan fa e tai chi chuan. Outra arte chinesa de grande influência ao kali, em especial a luta desarmada panantukan, é o wing chun. Essas influências chinesas, contudo, não têm ligação direta com os traços sócio-político-culturais das Filipinas dos dias de hoje.
Outros acreditam que, por serem as FMA baseadas em armas, suas raízes e desenvolvimento foram independentes da maioria dos sistemas de luta desarmados. Na verdade, é dito que as inevitáveis similaridades são devido aos tipos de armas utilizados tanto nas artes marciais filipinas, quanto indonésias, quanto chinesas. Alguns exercícios, ou movimentos de mão, similares aos das artes chinesas e indonésias, segundo alguns grupos de Eskrima, só foram introduzidos recentemente, o que é menos aparente em sistemas mais tradicionais.
Apesar da turbulência e da polêmica que cercam a história da Eskrima, o ambiente das Filipinas permitiu que essa arte se desenvolvesse para se tornar uma eficiente arte marcial. Enquanto em sistemas tradicionais a forma de ensino mais comum de transmissão dessa arte fosse informalmente entre as gerações de uma tribo, sistemas mais modernos, apesar das críticas tradicionais, criaram métodos mais simplistas de ensino. A despeito da metodologia de ensino, essas artes são considerada fáceis de aprender com a prática.
Eskrima, Escrima ou Escryma, ou arnis (Tagalog) de acordo com a região das Filipinas (em inglês: filipino martial arts - FMA) é baseado no uso de uma grande variedade de armas, bastões especialmente feitos de ratã de 50 a 70 cm de comprimento e 5 cm de diâmetro chamado olisi e sinawali em pares. Inclui também adagas, espadas, faca, facões, chicotes, cajado, tobak-toyok, bastão longo, mas também com armas improvisadas, como: chaves, livro, revista, caneta, cadeira, mesa, gravata, corrente, etc...

Praticantes dessa arte sabem que a arma é apenas uma ferramenta para se obter uma compreensão da mecânica do corpo e como usar o seu corpo como uma arma, são notadamente reconhecidos por sua habilidade em lutar com armas ou desarmados, intercaladamente ou não combates em pé com socos, chutes, cotoveladas, joelhadas, cabeçadas, golpes com o quadril (panantukan, pananjakman, suntukan, sikaran, tadyakan/tadiyakan), chaves, alavancas, imobilizações e projeções (dumog ou buno), e quaisquer outras técnicas necessárias para complementar o treino de um verdadeiro mandirigma (guerreiro) nos velhos tempos das lutas tribais.

Destaca-se, ainda, por ser uma técnica simples, eficaz e eficiente de arte marcial para defesa pessoal, com técnicas de mãos vazias, o subconjunto de métodos de combate corpo-a-corpo de Pangamut. O Pangamut é o combate desarmado da Esgrima Filipino-Arnis e consiste em 3 partes:
* Panantukan (boxe filipino, de mãos vazias)
* Sikaran (trabalho de pernas, joelhos)
* Dumog (apertos, deslocamentos, arremessos, etc...).
De todas as armas citadas anteriormente, algumas delas possuem variações exclusivas para serem utilizadas na prática da Eskrima, tais como a karambit, o barong e o canivete butterfly, um tipo de faca muito peculiar, que passou a ser característico da Eskrima moderna.

O ratã, madeira derivada do bambu, muito facilmente encontrado nas Filipinas, é o material mais utilizado na fabricação de bastões (yantok: nome original nas Filipinas) e varas de treino. São resistentes e têm boa durabilidade, leves, e com boa resistência ao fogo. São quebrados somente sob situações extremas, e não soltam lascas como outras madeiras, sendo assim ferramentas seguras de treino. Este aspecto também os tornam úteis na defesa contra lâminas. Kamagong (ironwood) é um material utilizado em menor escala, mas não para sparring, uma vez que é denso o suficiente para causar grandes danos aos praticantes.

Tradicionalmente, o sparring não inclui contato com o corpo. Para treinos com contato, recomenda-se o uso de equipamento de segurança, dado o grau de dano que um ataque com arma (bastão, cajado, etc) pode causar.
Talvez, o único grande campo ao qual não foi dada a devida atenção, tanto no passado, quanto atualmente, seja o das lutas em cooperação. Havia um sistema filipino de primeiros socorros, cura e medicina herbal que era tradicionalmente ensinado paralelamente à Eskrima, mas desapareceu com o passar dos anos. Todavia, no sistema Arnis Kali Maharlika - bastante divulgado no Brasil - ensina-se algumas técnicas da massagem filipina Hilot durante o aquecimento preparatório do treino.
Terminologia
Outros termos também comumente utilizados para se referir a esta arte são Kali, Arnis de Mano (lit. chicote com as mãos) e "Arnis Kali". Eskrima e Arnis estão entre os muitos termos utilizados nas Filipinas para se referir a esta arte.
O nome Kali, apesar de ser bastante empregado nos Estados Unidos e na Europa, é raramente utilizado nas Filipinas, e em muitos casos é uma palavra desconhecida. No entanto, devido à popularidade desse termo fora das Filipinas, e à influência de praticantes estrangeiros, o termo Kali está cada vez mais sendo reconhecido e aceito nas Filipinas. O termo kalis, utilizado nas Filipinas, significa espada. É comum o erro de achar que kalis e kali são sinônimos ou derivados (nota: o "s" ao final de uma palavra não é usado nas línguas e dialetos filipinos para indicar plural). Enfim, em qualquer que seja o caso, Eskrima, Arnis, Kali e FMA referem-se a uma mesma família de artes marciais filipinas baseadas em treino especialmente com armas.
Eskrimador ou Kalista (como alguns praticantes costumam se referir a si mesmos) é o praticante de Eskrima e Kali, respectivamente, enquanto Arnisador é o termo utilizado para se referir a praticantes da variante Arnis.
Sistemas
Existem mais de cem tipos de sistemas diferentes de Eskrima, muitos dos quais remetem às origens de uma tribo ou região do Arquipélago Filipino, e podem ser classificados em três grupos principais:
Os estilos da região norte (Arnis)
Os estilos da região central (Kali)
Os estilos da região sul do País (Eskrima)
Alguns dos mais conhecidos estilos nas Filipinas são:
Eskrima São Miguel
Doce Pares
Balintawak
Arnis moderno (ou "Modern Arnis", originalmente)
Kalis illustrisimo ou Bakbakan
Eskrima Águia Negra
Kali-silat ("kali" - palavra de origem filipina e "silat" - palavra de origem indonésia).
Nos Estados Unidos, os mais populares são:
Sayoc Kali
Inosanto Lacoste Kali Salutation
Sina-tirsia-wali
Eskrima Serrada
Eskrima Lameco
Dog Brothers Martial Art
Pekiti-tirsia
Latosa Escrima
No Brasil, os mais difundidos são:
Arnis Kali Maharlika - O Arnis Kali Maharlika é ensinado desde 1976 pelo grão-mestre Herbert "Dada" Inocalla (Punong Guro Lakan Siyam), ex-Tenente-coronel do Exército das Filipinas, que em conjunto com seu irmão grão-mestre "Datu" Shishir Inocalla (Punong Guro Lakan Siyam), um dos alunos mais graduados de Remy Presas (fundador do Modern Arnis) desenvolvem um trabalho de resgate e utilização do Arnis Kali Eskrima como "terapia marcial filipina": em que se inserem técnicas terapêuticas e da fluidez marcial do Tai Chi Chuan, exercícios e técnicas de respiração e meditação do Yôga mais as técnicas terapêuticas da massagem filipina Hilot. O Punong Guro Dada Inocalla é o fundador do estilo, único filipino nato e o mais antigo representante das Artes Marciais Filipinas desde a década de '70, no Brasil.
Kali silat ou sina-tirsia-wali - Criado pelo norte-americano Paul Greg Alland, primeiro ocidental a ganhar o Philippines World Escrima Tournament. O estilo foi trazido ao Brasil pelas mãos de Paulo Albuquerque, hoje o aluno mais graduado de Greg na América Latina, que a anos vem lutando pela sua disseminação, assim como das artes marciais malaias em geral, no Brasil. Dentre as suas vitórias podemos assinalar a criação de torneios anuais de Kali, Escrima e Arnis no Rio de Janeiro, e a criação de uma Federação Brasileira de Kali reconhecida internacionalmente.
Latosa Escrima - Desenvolvido por Rene Latosa, nos Estados Unidos, recentemente trazido ao Brasil.
Bisayan
Pekiti-Tirsia
Outros estilos difundidos em outras partes do mundo há também:
Bakbakan Combat Arts
Black Unicorn Filipino Fighting Arts International Makati
Rapido Realismo Kali
Cinco Teros
Kasilagan
Tersia
Cadenilla
Espada y Daga

Filosofia:
Sua filosofia parte da sentença o todo é maior que a soma de suas partes. Colocando os fundamentos e princípios acima das diferentes técnicas, táticas e até condicionamento físico. Por exemplo, uma técnica ou tática não funciona por si só, se não for combinado com os conceitos de angulação, sensibilidade, equilíbrio, potência, velocidade, foco, tempo / sincronização e atitude.
Graças à combinação desses elementos, no final, o todo é muito mais eficiente do que normalmente seria a soma das partes. Por essa razão, as técnicas praticadas no eskrima são apenas ferramentas para entender, aceitar e armazenar os fundamentos. O número de diferentes técnicas aprendidas por um indivíduo não aumenta seu nível de competência deste sistema, ao contrário de muitas onde muitas técnicas se acumulam, inclusive copiando-as de outros estilos. As técnicas são apenas movimentos até que sejam combinadas com os conceitos intrínsecos da luta, sejam armadas, ou corpo a corpo.
A Eskrima se diferencia da maioria das Artes Marciais, pois inicia os estudos pelas armas e depois é que se aprende à lutar de mãos vazias...